Blog experimental, dedicado a uma ala do Palácio Amarelo de Portalegre. Verdadeira «Casa de Bonecas», onde, seguindo a tradição, há sinais e emblemas de nobreza. Assim: Casa Amarela, Cas'Amarela, ou Casamarela
Blog experimental, dedicado a uma ala do Palácio Amarelo de Portalegre. Verdadeira «Casa de Bonecas», onde, seguindo a tradição, há sinais e emblemas de nobreza. Assim: Casa Amarela, Cas'Amarela, ou Casamarela
É que acabei de ouvir – hoje -, talvez há pouco mais de uma hora?, sobre as «péssimas condições» em que estou aqui, em Portalegre, numa casa que foi em tempos das mais afamadas; e em que, como se diz num livro*, foi espaço de lazer “...dos ricos da cidade...”
Sim, e a afirmação ouvida é verdade; aliás as duas coisas são verdade. A casa foi isso, assim como as condições em que se está, connosco a usá-la, podem ser vistas como as de um ermita.
Mais, no comentário que ouvimos, constavam para comparação, presídios, casernas, e até instalações da tropa. Onde, para o tal «comentador», as condições não são tão extremas quanto as que aqui existem...
É então que me lembro (e me pergunto) sobre o que ficou no título:
Será que as pessoas de facto têm a noção de tanto, de muito excesso e do muito supérfluo (para lá do mais essencial) com que em geral todos vivemos?
Quer nas condições de conforto**, quer nas tralhas e bibelots (ou nas centenas de livros - que são as nossas queridas bibliotecas privadas!). Tralhas de que enchemos os nossos cenários de vida, que são as casas em que habitamos...?
Será que não são possíveis vidas normais e ricas; i. e., interessantes e muito confortáveis, mas tendo menos? Será que não temos conhecimento de realidades extremas a que poucos ou nenhuns acodem, como este link e suas reflexões nos mostra, ao falar de casas que são comparáveis a verdadeiros buracos?
É então que vem a propósito a nossa profissão, e as muitas diferentes maneiras de a exercer: Nem sempre a fazer palácios, ou a trabalhar para as classes altas.
E para além disso, quando se projecta, também se sabe que nem todos os projectos, ou as respectivas obras, se realizam: pois estas têm - e ainda bem - ora doses de realidade, ora doses de sonho.
E isto, o estar aqui, não é resiliência. O bem-estar não tem a ver com o ter. É que para se Ser é melhor começar pelos valores imateriais.
O Ser também se faz - e sente feliz -, com várias e diferentes actividades. Ou, será que nunca ouviram falar de dopamina?***
Em suma, pode parecer o contrário?, mas o que aqui temos - além de história, cultura e património impregnado de passado - pode ser visto como um luxo!
*Cujo autor e título são: Domingos Bucho, Portalegre Visita Guiada (bilingue), Edição da CM Portalegre, Portalegre 2020. A página e os destaques ampliados vêm desse livro.
**É que se aqui temos um certo deficit de conforto, pelo menos temos imenso espaço – o que também é conforto, designado desafogo - como sabe bem, quando se está de férias...
***E sobre esse neurotransmissor encontrou-se esta informação.
Ainda não esquecemos o homem de letras, que há dias encontrámos em Portalegre. Tanto mais que nos desenhos dos «caracteres alfabéticos», o autor pôs algumas intenções, e, claro, os maiores cuidados
OUTRA foto para ser vista em ampliação
Por fim, o assunto que mais nos interessa ampliar, neste caso não tanto como ICONOTEOLOGIA - visto que desconhecemos (se as houve?), algumas ideias associadas aos «floreados e enrolados» nos ferros forjados das chamadas 'rexas' ou 'rejas' de que escreveu Luís Keil, em 1943, no Inventário Artístico de Portugal, vol I, Distrito de Portalegre.
Na verdade os referidos trabalhos de metal aparecem-nos como elementos funcionais - dividem espaços, protegem, etc. - mas, para além disto, nas suas formas, não se pressente qualquer valor significante, que esteja para além do ornamental
Daqui, da Casa Amarela em Portalegre partimos à descoberta.
Quer da própria Casa conhecida sobretudo por Palácio Amarelo – cuja descrição mais completa (e a melhor, pelo menos que se saiba?) está no Livro Genealógico das Famílias desta Cidade de Portalegre*. Mas também à descoberta dos detalhes arquitectónicos, e dos ornamentos muito específicos, de uma obra que tem características únicas.
E entre outras artes, nesses detalhes praticamente irrepetidos (mesmo que existam semelhantes feitos séculos depois); entre esses, é verdade, tem sido dado maior destaque, pela originalidade, aos trabalhos da Arte do Ferro, os quais foram descritos por Luís Keil em 1943, no Inventário Artístico de Portugal:
“Ferros trabalhados tão característicos do Alto Alentejo decoram as grades dos pavimentos térreos ou as varandas dos andares nobres”
Algumas vezes estes são conhecidos por rexas, mas é mais comum a palavra “rejas”:
É a designação dada a um tipo de trabalho em que o malhar do ferro, a frio e a quente, foi por aqui, desde o século XVI, uma actividade relevante. Implantada no interior do país, na região transfronteiriça, como agora dizemos; ou, nas palavras de Luís Keil:
“... é possível, senão provável que as reminiscências do pais vizinho influíssem na arte do ferro nesta região, da Andaluzia e da Estremadura espanhola, os exemplos serão muitos e bons e as afinidades manifestas.”
Foi por isto mesmo, quando andando nós com os ditos trabalhos de ferro forjado na cabeça, assim como, com os desenhos e com a iconografia que está em grades de Portalegre (a mesma que, quase paradoxalmente, também aparece em trajes reais**). Foi assim - com este espírito, e com estas ideias - que num passeio fotográfico tão recente, nos deparámos com “UmLeitor de Portalegre”.
Claro que o fotografámos, e logo ali ficou baptizado “Leitor de Portalegre”, em função disso que parece ser
Completamente alheado da envolvente, e tão absorvido como está na leitura de um dos seus livros, que, parece, talvez nem ele tenha dado pela nossa curiosidade.
Curiosidade vinda do facto (daí o espanto!) de também ele ter um traje falante.
E ainda por cima, coincidência, também de metal a ponto de lembrar - trazendo à mente - o retrato de D. Sebastião, e o que dele escreveu J.-A. França***.
Insiste-se: claro que esta obra do século XXI também é, propositadamente - pois tenta sê-lo, como é evidente - «um traje falante».
Embora neste exemplo a que chamamos «leitor portalegrense», já não estejam os ideogramas antigos, com que os reis eram sempre representados.
Aqui, e porque esses ideogramas são vistos hoje como formas insignificantes; assim, para poder aumentar algum sentido significante, ou se poder entender/ler alguma mensagem? – o fato de que está vestido o tal leitor, está repleto de letras.
Letras que formam palavras, que nos dão pistas. Quase como uma «charada»: i. e., com a obra a exigir esforços razoáveis de interpretação.
Ou, fazendo a analogia com as obras medievais (de que escreveram Henri De Lubac e outros teólogos), são obras que exigem do leitor algum raciocínio: dir-se-ía, quase como «exegeses»...
Não sabemos ou captamos o seu sentido exacto, mas, que importa? Se consegue ter força, ser referência e marco visual? Depois, e porque está à nossa escala, vai interpelando os que passam.
O bastante para que se fique a pensar nela (na dita obra), e a tentar desvendar aquilo que pode ter estado na cabeça do autor.
E no fim outras perguntas:
Será que os “Encouters” do título se lêem? Será que há pontes e pontos de diálogo? Ou, a existirem, é só na nossa cabeça?
É que na última fotografia (abaixo) na guarda da varanda está um dos vários ideogramas que existe no retrato de D. Sebastião do MNAA. E a penúltima é um exemplo dos trabalhos em ferro de que Luís Keil escreveu: mas transposto - desde que data? - para protecção e decoração da porta de um restaurante.
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* Ver op. cit., pp. 931 a 934, texto por Diogo Gaspar e Nuno Morais.
*** Segundo J.-A. França, o retrato de D. Sebastião do MNAA, a que nos referimos, foi encomendado em 1571, a Cristóvão de Morais. É “... um dos bons retratos maneiristas(...) com o luxo da sua armadura finamente tauxiada de ouro...”Ver O Retrato na Arte Portuguesa, de José-Augusto França, Livros Horizonte (p. 35).
Razão para nos lembrarmos da imagem acima, em que a partir da cor dos azulejos (em contraste cromático) se criou uma espécie de moldura, retórica ou enfática, para sublinhar o plano da fachada
Desta vez não foi Lisboa-Cascais-Sintra..., mas sim a uma outra cidade - que em nossa opinião - tem algo a ver com Sintra. Semelhanças, e analogias que se podem estabelecer..
Porque Sintra, não esqueçamos, é - tal como Portalegre -, um aglomerado populacional erguido numa Serra.
Hoje Sintra é uma Vila, enquanto Portalegre é Cidade. Mas, de igual modo, uma cidade na Serra.
Portalegre tinha passado a Diocese em 1549, por decisão de D. João III, que no ano seguinte, por Carta Régia a elevou a Cidade.
Muitos séculos mais tarde, Sintra*, pelas suas características foi reconhecida pela Unesco como primeira Paisagem Cultural.
Uma classificação que valorizou a simbiose entre a base, ou o que é o território natural, e depois as construções humanas que ao longo do tempo se foram colocando sobre essa mesma base. É a natureza que se torna paisagem**. Cultural - porque as obras humanas, materiais e físicas, seguem sempre valores que são patrimónios intangíveis***.
E as analogias (entre Sintra e Portalegre) acabam aqui, já que outras nos ocorrem.
É que entre o natural e o que é construído por cima há sempre mais: por exemplo, há apropriações inesperadas, como aconteceu nos casos das fotografias seguintes.
Nas primeiras é óbvio, visível e notório: sem pedirem licença a ninguém as cegonhas chegaram e instalaram-se. Querem lá saber se é rural ou urbano, monumento nacional, ou «ruína anódina» de Portalegre...?
Mas se em Portalegre a Wildlife pouco ou nada importa aos portalegrenses, e ninguém quer saber se as cegonhas chegam ou partem (excepto nós, que ficámos fascinados a fotografá-las...). Já em Londres, frente à Tate, há anos assisti a um enorme reboliço.
Mais importante do que as exposições lá dentro, era cá fora um passaroco que se tinha instalado num peitoril de janela, onde foi fazer o ninho. Com isso levou a que a comunicação social, apaixonados por pássaros e pela vida selvagem, se instalassem em frente. Para que nada se perdesse da vida daqueles seres, tão frágeis: nem um só bater de asas, ou qualquer movimento no ninho...
No fim, moral da história, uma roulotte para lembrar o lado natural da vida:
** "Landscape", algo que também é ou existe em Portalegre, embora bastante menos visível e portanto mais longe de ser valorizado. Note-se que em inglês à palavra "landscape" alguns opõem a palavra "townscape" (e"townscape" pode-se traduzir como paisagem urbana).
Porque uma obra de Arte também ganha valor, pelas outras obras a que dá origem; ou nas quais é citada.
E sendo citada, o importante não é exactamente a total e completa analogia; ou a verosimilhança dessas citações, e suas referências, em relação à obra original. Mas, pelo facto de ser reconhecida e identificada.
Todas as obras a que, em geral, se atribui/reconhece valor artístico, ou, dito de outra maneira, que usufruem de uma certa (maior) fortuna crítica - quando essas obras se citam umas às outras... - também se estão a valorizar mutuamente.
E isto, que é uma das características do Património Cultural, também lhe confere valor económico**
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*Ontem tivemos um apoio fantástico de alguém da BM de Cascais (Casa da Horta da Quinta de Santa Clara), que nos fez chegar informações de Luís Keil, vindas do Inventário Artístico de Portugal, relativas ao Distrito de Portalegre, ANBA, Lisboa 1943.
As duas imagens iniciais são da Tapeçaria (excertos) desenhada por João Tavares. Refere-se à aclamação do Duque de Bragança, D. João IV, como Rei de Portugal. Feita - segundo está no relato visual - a partir da varanda do edifício antigo da Câmara Municipal de Portalegre