Se "Em Portalegre Cidade..." há uma Rua do Comércio fantástica, o mesmo se deve dizer do que pode ser visto como um Museu de Arte Moderna (logo ali, na Rua da Figueira)
Mais: já que estamos perante desenhos que foram feitos em vários casos, propositadamente, para uma indústria, talvez devêssemos admitir que uma parte (aqui muito) especifica do Design português está neste museu de Portalegre.
Estrutura Ambígua é o título de uma obra de Eduardo Nery que consta na colecção do Museu da Tapeçaria, Portalegre. Mas é sobretudo, para quem como nós integrou o quadro de docentes do IADE em 1976, é uma enorme emoção:
É o cruzar com uma tipologia de imagens que vimos dezenas ou centenas de vezes os alunos a trabalharem, e que entretanto - de tanto computador, a mais, de que não sabem tirar partido! - desapareceram...
Imagens que vimos os alunos a usarem - como base de trabalho, i. e., qual guia de uma máquina, ou ferramenta «disciplinadora técnica», mas também conceptual/artística*; sim, estamo-nos a referir a umas malhas geométricas que foram bastante ridicularizadas. Mas que hoje, vêmo-lo muitíssimo bem, melhor do que nunca, isso foi um erro crasso, colossal! Porque essas malhas eram, muito pelo contrário, de importância vital para a criação. Chamam-lhe agora «Creativity» (!!!), a que nos dias de hoje, crescentemente**, passou a ser tratada como Artística (típico de quem não sabe o que é Ars e Technê...).
Em suma, e embora não estejamos a escrever para Primaluce ou para Iconoteologia, vamos lá chegar: porque toda a Arte do Ocidente Europeu (cristão) apesar de se ter querido afastar da sua génese - que foi sobretudo o facto de estar «ao serviço do sagrado» -; apesar dessa repulsa/negação, no entanto continuou (ou continuaram) nas mentes de muitos, os ingredientes fundamentais que a Arte mais antiga continha.
Tal e qual como para o «paladar», o Gosto que um dia se instalou (ou aquilo de que aprendemos a gostar), terá criado, certamente, marcas indeléveis nos nossos cérebros. Assim, devemos ter ficado programados - como uma questão de hábito? - para gostar daquilo que desde cedo nos foi dado e servido. Como no paladar a degustar, também os olhos (ou sobretudo algures na mente), se habituaram a identificar e «a sobrepor», mentalmente, o que vemos, com aquilo que já temos em arquivo: talvez não muito diferente do trabalho de um scanner? Quando habitualmente se percorre a imagem num rapidíssimo relance visual, e de imediato se classifica. Sendo este processo mais lento para as imagens novas, para as mais compostas ou com mais ingredientes***. Que, em geral, e como na música, esses ditos «ingredientes» foram ocupar interstícios - ou seja tempo, se for no ritmo da música. Ou espaços que estavam livres, em aberto, mas que podem ser preenchidos, no caso de se tratarem de obras e de suportes visuais; tudo isto sem alterar a estrutura geral, que se continua a ver (ou, a ouvir, se forem obras acústicas).
Claro que esta «Teoria do Gosto» é muito nossa, pois assim - tal e qual - não a lemos em ninguém. Embora alguns autores, com as suas informações, que nos vão abrindo vários «postigos», permitam depois entrever aquilo que se acabou de escrever (como sequência e corolário lógico das ideias que eles vão expondo...).
Note-se porém, que de entre «os ingredientes» para o Gosto, não há apenas Estruturas Mentais, a que estamos habituados, como a da imagem seguinte, havendo ainda, como supomos, nas sinapses (mentais) que se vão fazendo, outros links. Esses são dirigidos, ou constituem ligações a..., outros ingredientes de ordem menos afectivo-emotivo, e mais racionais. Links que permitem fazer muitas outras, e mais (e ainda mais) associações.
Depois, também essas acrescentam valores - significantes, alusões, mnemónicas - que permitem enriquecer a compreensão, ou potenciar mais leituras: a outros níveis, ou num só e mesmo nível, mas com outros sentidos simultâneos. O que anda próximo daquilo que se chama Polissemia nas obras de Arte (quantas vezes repletas de sinais em que, cada um por si, é também altamente polissémico).
Como Umberto Eco escreveu, muitas obras são abertas a diferentes leituras, dependendo essas leituras (ou exegeses - à semelhança das interpretações bíblicas) não apenas da capacidade criadora dos seus autores, mas, principalmente, da cultura ou a capacidade de leitura e interpretação dos que querem ler/usufruir das obras criadas.
Alguns poderão esquecer, ou não saber, que esteve no IADE, que saiu cedo, mas aí deixou marcas (como mostra a imagem); marcas que foram perenes:
"As obras datadas da primeira metade dos anos 1970 são apelidadas "pintura metafísica" pelos críticos de arte. Neste período foi professor da disciplina de Desenho, Cor e Texturas no IADE, durante dois anos, e em 1973 foi um dos fundadores do Ar.Co. Entre 1970 e 1973, expôs na Galeria Buchholz, na Galeria Zen, na Galeria 111, e ainda com Noronha da Costa no Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris." Ver em: http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/eduardo-nery-um-artista-que-se-movia-no-real-1586659
*Traçados ordenadores ou directores como várias vezes se ouviu a colegas arquitectos da geração abaixo (assunto não tratado na «nossa geração»).
**Como Metodologia da Criação ou Técnicas para Inovação e Criatividade, e sem qualquer dúvida ligado à História da Arte, tudo isto deveria ser ensinado em escolas de design que tenham por objectivo deixar os alunos bem apetrechados e preparados para as sua vidas profissionais. Assim, esta nossa Teoria do Gosto que acima se explica (e há anos estamos a re-pensar) parece-nos bater certa, sendo até coincidente com a designação de Pintura (de origem) Metafísica que os críticos, como consta na noticia do Público, atribuíram a esta e outras obras de Eduardo Nery.
*** São estes os casos em que ficamos surpresos, e nos perguntamos, ainda sem saber se gostamos? Porque é preciso um esforço intelectual - que pode tornar-se num prazer de descobrir - para saber se sim ou não se gosta? É também quando a emoção cresce, e um novo afecto nasce.
http://www.fundacaoedp.pt/exposicoes/eduardo-nery/182